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Wednesday, May 01, 2013

"Aluno" - Sem luz? Sem essa!

Que aluno quer ser sem luz?

Não faz muito tempo ouvi - de novo - que "aluno" significa "sem luz". Foi quando senti que não dava mais: estava na hora de escrever sobre isso.

Por algum motivo, existe entre os brasileiros (não sei se entre os lusitanos também) a crença, bastante difundida, de que a palavra "aluno" em português viria do latim "a-luminus". Ou seja, "a" (partícula de negação) e "luminus" (luz): "sem luz", portanto.

Para quem vê assim, parece até que tem rigor científico. Entretanto, o tiro passou longe. E por quê? A verdade é que há vários motivos, e alguns deles são:

Motivo 1 - A palavra já existe
O latim já tinha palavra para "sem luz": obscurus. Que desaguou nas palavras portuguesas "obscuro" e "escuro".

Motivo 2 - Uso de partícula estrangeira
Mesmo que o latim quisesse uma palavra que traduzisse a ideia específica de "sem luz", usando uma partícula negativa (a exemplo do inglês, em que podemos dizer "dark" ou, em tom mais poético, "lightless"), neste caso a partícula de negação muito dificilmente seria "a". Isto porque este "a", especificamente, é uma partícula grega, não latina. O "a" do latim significa outra coisa (ver Motivo 3 abaixo), sendo que, para realizar a negação, esse idioma preferiria usar uma partícula de seu próprio jardim - por exemplo, des-. Assim, desilluminatus ("desiluminado") seria uma opção muito mais natural e lógica para o latim.

Motivo 3 - Uso diferente do "a" em latim
Enquanto a partícula "a" é utilizada em grego para transmitir a ideia de negação, em latim a mesma partícula costuma seguir a corrente diametralmente oposta. Ela é utilizada para reforçar uma ideia, transformando substantivos ou adjetivos em verbos. Por exemplo, o substantivo lumen (luz) vira o verbo alluminare ("aluminar" ou, mais comum no Brasil, "alumiar"). Sem sombra de dúvida, você, como falante do português, já percebeu que nossa tendência para criar verbos a partir de substantivos e adjetivos é justamente adicionar à palavra um "a". Se o adjetivo é "baixo", não ficamos satisfeitos em dizer "baixar", mas insistimos em dizer "abaixar". Se a palavra é "cautela", então dizemos "acautelar". Para "largo", temos que "alargar". Ou seja, inserimos um "a" para fazermos dos substantivos (ou adjetivos) verbos. De fato, essa regra é tão forte para nós, falantes do "novo latim" (conhecido pelo nome de "português") que até nos próprios verbos que já existem mas não possuem um "a" inicial, teimamos em inseri-lo -- nestes casos, geralmente dando um novo significado à palavra. Por exemplo, já dizemos normalmente o verbo "mostrar"; no entanto, não raro ouvimos dizer que alguém quer "se amostrar". Ora, "mostrar" e "amostrar" deveriam ser a mesma coisa. Mas o falante de português decidiu que se amostrar é coisa mais petulante. E daí mesmo foi que terminou vindo a "amostra" (aquilo que se põe "à mostra").

Um outro uso de "a" é como forma compacta de "ab" ou "abs", que significa "por", "de" (origem) ou "depois". De modos que o uso de "a" como partícula negativa do grego não se pode confundir com o "a" latino.

Motivo 4 - Palavra em português diferente
Mas vá lá, suponhamos que, mesmo assim, indo contra tudo o que lhe seria mais natural, o latim quisesse usar essa forma do "a" negativo grego com a palavra lumen. Ora, neste caso, a palavra seria alluminosus, que desembocaria no português "aluminoso" (seguindo a forma que temos para "luminoso", o que tem luz).

Ou seja, realmente essa etimologia de "sem luz" é muito furada.

Sócrates diria que todo aluno tem luz dentro de si.

E de onde vem "aluno" então?
Vem do latim alumnus (e não alluminus) uma junção de "al-" (que é o radical do verbo alere, "alimentar") com a terminação "-umnus".

É que para criar substantivos, o latim se utiliza de várias terminações. Uma delas é "-umnus" (em masculino; ou -umna no feminino), que é "aquilo que exibe a ação do radical". Por exemplo, "col-umna" (coluna), a coisa que sustenta ("col-" vem do radical indo-eurpopeu *kel-, que significa "projetar"). A terminação -umnus em latim vem do mesmo lugar que a terminação grega -omenos: de fato, pronunciam-se quase da mesma forma. Em grego temos, por exemplo,  as palavras "fenômeno", "epagômeno", "estiômeno", "nômeno", "perispômeno", "prolegômenos" etc.

E alere é, mesmo, "alimentar". Seu radical é apenas al-. Portanto, "alumnus" nada tem a ver com "sem luz" (alluminus), mas quer dizer, na verdade, "o alimentando", ou seja, aquele que é alimentado (e não que é sem luz). Isto porque, na Roma antiga, o "alumnus" (o alimentando) era o filho adotivo -- a boca extra da casa, digamos. E, de filho adotivo, a palavra terminou "adotando" (permitam-me o trocadilho) o significado de pupilo, estudante, aluno. Que é quem passa a se alimentar do saber. Não se menciona qualquer falta de luz, portanto.

Palavras Híbridas
Antes de terminar essa postagem, devo dizer que há certas palavras em que podemos encontrar a partícula negativa "a" do grego com uma outra palavra de origem latina. Essas junções de palavras gregas e latinas dão origem a palavras chamadas de híbridas. É o caso de "televisão", em que tele- vem do grego e significa "distância", e visão vem do latim, e significa... bem, visão. "E como é televisão em grego?", você pergunta. "Τηλεόραση" (teleórassi), eu respondo ("órassi", ou "órama" é "visão" em grego -- daí panorama, por exemplo). Ou seja, duas palavras gregas.

Essas palavras híbridas, entretanto, são geralmente uma invenção recente (a exemplo de televisão), e não eram usadas na antiguidade, já que cada idioma tinha suas próprias regras e ainda não havia essa tal da globalização (daí por que o latim muito dificilmente escolheria a partícula grega para dar uma ideia negativa a uma palavra latina -- o latim usaria suas próprias regras). Um exemplo disso é "amoral". "Moral" é a forma positiva da palavra (algo positivamente ético e conforme os bons costumes); "imoral" é a forma negativa da palavra (veja que o latim não escolheu a partícula grega para negar a moralidade, mas sim a partícula latina in-, que virou apenas i- no português); e "amoral" é a forma neutra (que não é moral nem imoral, mas indiferente, em que a moralidade não se aplica). E justamente "amoral", sendo uma forma híbrida (partícula grega "a" com palavra latina "moral"), é a palavra mais nova do conjunto. Adivinha quem inventou? Foi Robert Louis Stevenson (ele mesmo, o escritor de O Médico e o Monstro) que criou a palavra para diferenciá-la de "imoral".

"Aluno", portanto, não tem, mesmo, absolutamente nada a ver com "sem luz". Significa apenas "aquele que é alimentado". E que assim possa, aquela etimologia folclórica e enganosa, finalmente descansar em paz.

Thursday, April 26, 2012

Presidente ou Presidenta? Perguntas mais frequentes.

Presidente ou Presidenta?
Uma das dúvidas de português que mais parece assolar os brasileiros (e por conseguinte, uma das coisas que mais me perguntam) refere-se ao uso de "presidente" ou "presidenta". Qual das duas formas está correta? Resposta curta: as duas formas estão corretas. Resposta longa? Respire fundo e continue lendo.

Para responder de forma satisfatória, a primeira coisa que devemos fazer é saber de onde veio a palavra. O português é um desenvolvimento do latim, e é deste idioma que vem "presidente". Em latim, praesidens/praesidentis é o particípio presente do verbo "praesidere". Repitamos: um particípio. Daí ter vindo para o português também na mesma forma participial. Assim, cumpre dizer que o adjetivo masculino em latim é presidentum; o particípio é praesidenspraesidentis (a primeira forma é a do nominativo; a segunda, do genitivo). Foi essa última forma que veio ao português (se tivéssemos herdado a forma adjetiva, teríamos "presidento", e não "presidente").

Vale notar também que o particípio presente latino tem o poder de transformar verbos ativos em adjetivos. Por exemplo, se tomarmos o verbo "laudare" (laudar, em português) e aplicarmos o particípio presente, ele se transformará em "laudans, laudantis" (aquele que lauda: laudante). Essa fórmula do particípio em latim desaguou nas formas portuguesas "-ante" (mendicante), "-ente" (presidente), "-inte" (contribuinte) e "-unte" (transeunte). São formas comuns a basicamente todos os idiomas que provieram do latim, como é caso (além do português) do espanhol, do italiano e do francês (chamadas de línguas neolatinas). O interessante é que, no latim, essa forma de particípio presente atuando sobre um verbo ativo simplesmente não muda. Seja masculino, feminino ou neutro (o latim tinha três gêneros, ao contrário do português, que só tem dois). Isso se reflete mais ou menos numa outra fórmula: de modo geral, palavras terminadas em "-e" são "neutras", no sentido de que podem ser masculinas ou femininas, dependendo do uso dos falantes em determinada época.

Por exemplo, em alguns casos, palavras terminadas em "-e" podem adotar os dois gêneros no mesmo idioma: "o paciente, a paciente"; "o estudante, a estudante". Em outros casos, um idioma adota um gênero específico, e outro idioma (também neolatino) inventa de adotar o gênero oposto. É o caso de "o leite"  (masculino) em português e "la leche" (feminino) em espanhol. É prova de que palavras terminadas em "-e" podem cair para qualquer lado (masculino ou feminino). A escolha é mais ou menos arbitrária, dependendo do uso por uma dada população com o passar do tempo (e a escolha termina se solidificando num determinado idioma). Em português, palavras com as terminações "ante", "ente" etc., por virem de uma forma em particípio do latim, permaneceram na mesma estrutura de particípio em português (sendo que o particípio presente não muda sua forma conforme o gênero). E como essas formas de particípio atuam sobre verbos ativos, formando adjetivos e substantivos, alguns chamam esta estrutura de "particípio ativo". Assim, o verbo "amar" tem a forma participial ativa "amante"; o verbo "crer" tem a forma participial ativa "crente"; o verbo "constituir" tem a forma "constituinte". Perceba que todas essas formas levam a forma masculina e feminina iguais: o amante, a amante; o crente, a crente; o constituinte, a constituinte.

De forma resumida, isso significa que, sendo formas de particípio (ante, ente, inte) terminadas em "e", a forma no português, assim como no latim, é imutável, valendo para palavras tanto no masculino quanto no feminino. Por isto eu particularmente defendo o uso de "presidente", independentemente do sexo de quem preside.

Abaixo, algumas das perguntas mais frequentes sobre o tema.


Pergunta 1: Mas eu já ouvi várias pessoas dizendo que assim como "doutor", "juiz" e "professor" admitem as formas femininas "doutora", "juíza" e "professora", também deveríamos adotar "presidenta". Não seria discriminação adotar só a forma "presidente"? Afinal, dizemos "brasileiro" e "brasileira".
Não. Veja que de todas as formas citadas ("doutor", "juiz", "professor"), nenhuma delas possui a terminação na forma de particípio "ante", "ente" etc. (e o mesmo acontece com "brasileiro" e brasileira"). São todas formas de puro adjetivo ou substantivo - e não de particípio, portanto não se confundem. Ora, também no latim essas profissões citadas acima podem ir para o feminino. O que não se pode é passar a forma terminada em "ente" para "enta", pois isto não existe, nem em latim, nem em português. Ou melhor, não deveria.

Pergunta 2: Eu já vi exemplos com "o chefe" e "a chefa".
Eu também. Mas veja que mesmo neste exemplo, em que "chefe" termina em "-e" (e, portanto, a palavra, por sua própria natureza, já deveria contemplar os dois gêneros), ainda não estamos tratando de uma terminação em particípio (que, neste caso, seria "chefiante"). Assim, "chefe" e "presidente" ainda não podem ser comparados (pois um tem forma de adjetivo, e o outro term forma de particípio), apesar de que, como já dito, "chefe" já traz em si mesmo a possibilidade do uso de dois gêneros. Alguém diria "chefianta"? "A chefianta é muito confianta"?

Pergunta 3: Mas eu já cansei de ver "cruenta". Deveria ser "cruente", então?
Não, porque "cruento" não é um particípio. A palavra vem do latim "cruentus" no masculino (cruenta no feminino, cruentum no neutro). Ou seja, a palavra é um adjetivo, e não um particípio. A confusão acontece porque as formas se parecem (da mesma forma que caro e calo em português se parecem muito para o falante nativo de chinês ou japonês). Mas é só como Denorex: parece, mas não é.

Pergunta 4: Por que então dizemos "elefanta"?
Porque "elefante" não é uma palavra latina. É grega: ελέφας, ελέφαντος, (elephas no nominativo; eléphantos no genitivo, que foi a forma herdada). Sendo um substantivo grego, não se confunde com a regra para "presidente", pois esta última refere-se ao caso de particípio do latim. Vale lembrar que a forma feminina "aliá" também está correta. E cabe mencionar que a palavra "elefoa", apesar de ainda muito usada, não é aceita por nenhum dicionário nem gramático de peso.

Pergunta 5: Como você explica a Lei nº 2.749, de 2 de abril de 1956?
Como essa lei é bem pequena, vou me dar ao luxo de transcrevê-la aqui na íntegra (mas o artigo mais importante é o primeiro):

LEI Nº 2.749, DE 2 DE ABRIL DE 1956
Dá norma ao gênero dos nomes designativos das funções públicas
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA , faço saber que o CONGRESSO NACIONAL decreta e eu sanciono a seguinte Lei:
Art 1º. Será invariavelmente observada a seguinte norma no emprego oficial de nome designativo de cargo público:
"O gênero gramatical desse nome, em seu natural acolhimento ao sexo do funcionário a quem se refira, tem que obedecer aos tradicionais preceitos pertinentes ao assunto e consagrados na lexeologia do idioma. Devem portanto, acompanhá-lo neste particular, se forem genericamente variáveis, assumindo, conforme o caso, eleição masculina ou feminina, quaisquer adjetivos ou expressões pronominais sintaticamente relacionadas com o dito nome".
Art 2º. A regra acima exposta destina-se por natureza as repartições da União Federal, sendo extensiva às autarquias e a todo serviço cuja manutenção dependa, totalmente ou em parte, do Tesouro Nacional.
Art 3º. Esta lei entrará em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário.
Rio de Janeiro, 2 de abril de 1956; 135º da Independência e 68º da República.
JUSCELINO KUBITSCHEK
Nereu Ramos

Essa lei é geralmente apontada pelos defensores da forma "presidenta" como razão indiscutível de sua validade. Porém, isto não chega a ser mais do que uma tentativa vã. Como já tenho lá certa intimidade com as leis e a hermenêutica, haja vista meus vários (e sofridos) anos de faculdade de Direito, a Lei 2.749/56 teve um escopo diferente do que lhe tentam imputar hoje em dia, e que explico agora.

Em português, a formação dos gêneros é realizada da seguinte forma: "o masculino é o termo não marcado; o feminino, o termo marcado". Como assim? Isso quer dizer que, geralmente, a forma "padrão" (não flexionada) do português é a que está no masculino; a forma flexionada, a que está no feminino. Ou seja, quando se vai ao dicionário buscar um adjetivo ou nome, é necessário procurá-lo no masculino, pois esta é a forma padrão, "default". E o que isto representa para o legislador e para os nomes dos cargos públicos? Basicamente que eles sempre serão listados no masculino. A conseqüência disso é que corre-se o risco de imaginar que no serviço público existiriam apenas procuradores, auditores, consultores, capitães, médicos, advogados, juízes etc., sempre no masculino (sendo que existem também procuradoras, auditoras, capitãs, médicas, advogadasjuízas). Daí a Lei nº 2.749/56 determinar que o gênero gramatical do nome do cargo deva acompanhar o sexo do funcionário a quem se refira. Ou seja, o objetivo é fazer menção aos gêneros feminino e masculino, para evitar a discriminação. Assim, quando determinada mulher exercer o cargo de juiz, lei ou regulamento que porventura disponha sobre ela, deverá conter a palavra no feminino: "juíza", e não "juiz".

Perceba que a lei não cria a palavra "presidenta", nem defende seu uso. Ela simplesmente diz que para as palavras que aceitem a forma feminina sejam usadas essas formas (femininas) quando se fizer referência a mulheres em cargos públicos. É o caso de todas as palavras acima, que são de formação adjetiva ou substantiva, e não de particípio. Auditor, advogado, juiz, médico (etc.) não possuem terminação "ante", "ente" etc. Por isso, admitem a forma feminina. "Presidente" não se inclui na lista, e portanto não estaria abarcado pela lei. Em outras palavras, não foi a vontade do legislador (interpretação teleológica da lei) dizer que "presidenta" existe e deve ser usada. De fato, perceba que a lei é clara quando diz: "Devem portanto, acompanhá-lo neste particular, se forem genericamente variáveis". "Presidente", por ser uma forma de particípio ativo terminada em "-e", não é variável; portanto, não se deve flexionar. Assim, manter o vocábulo "presidente", rejeitando "presidenta", está em total conformidade com a lei.

Pergunta 6: Que saco! "Presidente" é um machismo e ponto final. A palavra "presidenta" deve ser sempre usada quando se tratar de pessoa do sexo feminino.
Na verdade, é o contrário. Por isso é que gastei tanto tempo explicando a origem da palavra e corri o risco de fazer você, leitor, perder a paciência quando discorri sobre adjetivos, particípios e outras baboseiras gramaticais. O fato é que "presidente" já é, precisamente, a fórmula mais neutra e politicamente correta que existe. "Presidente" não é machismo. Não pode ser, porque se fosse, a palavra em português seria "presidento". Neste caso, até eu mesmo defenderia que a forma feminina deveria ser "presidenta" (pois essa forma é adjetiva, e exige o feminino terminado em "-a"). Mas não é, porque quem preside leva uma forma de particípio (presidente), e não de adjetivo (presidento/a). Daí eu ter explicado que formas terminadas em "-e" no português são, por natureza, neutras. Elas podem ser usadas tanto para o masculino quanto para o feminino. E melhor: não possuem marca de nenhum deles. Em português, a forma do masculino é feita com o "o" final (brasileirO); a forma feminina, com o "a" final (brasileirA). "Presidente" termina em "e", e não tem forma nem de masculino nem de feminino (justamente por possuir uma forma de particípio), e portanto é, por si só, a forma já mais politicamente correta que poderiam inventar. De fato, se só tivéssemos as palavras "presidento" e "presidenta" em português, aposto que alguém inventaria "presidente" só para soar mais neutro. Mas já temos justamente esta palavra, e no entanto insistem em não usá-la. Será que teremos que dizer agora "a marinha mercanta"?

Pergunta 7: Então "presidenta" realmente está errado?
Não. Deveria estar. Levando-se em consideração todas as regras não só do português, mas de sua língua-mãe, o latim, "presidenta" é um absurdo morfológico que não poderia existir. E no entanto, existe. Existe porque as pessoas falam a palavra. E a língua, apesar de ser regida por normas gramaticais, no final das contas, ainda é determinada pela boca do falante. Os idiomas não podem ser presos por livros de gramática, nem pelos próprios gramáticos, nem por quem acha que deveria ser de um jeito, enquanto é de outro. A língua está viva!, e seu uso termina por moldá-la; e de tanto insistirem numa forma que não existia (presidenta), ela terminou se integrando ao léxico (mesmo nunca havendo existido barbaridades como comedianta, cartomanta, aspiranta). Consequentemente, essa forma já é aceita oficialmente pelos gramáticos Celso Cunha, Evanildo Bechara e Luís Antônio Sacconi. Os dicionários Aulete, Houaiss, e mesmo o tradicional Aurélio já trazem o verbete em suas páginas. Até mesmo o último reduto da mais fervorosa tradição gramatical, o erudito Domingos Paschoal Cegalla, já admite que “presidenta é forma correta e dicionarizada, ao lado de presidente". De modos que, hoje, ambas as formas estão corretas, e tudo fica, mesmo, a gosto do freguês.

Entretanto, não posso deixar de pensar que o mais triste da situação é que muitos defenderam o uso de "presidenta" por achar que "presidente" seria um machismo, mas o efeito obtido foi exatamente o contrário, malgrado essas mesmas pessoas não conseguirem enxergar as consequências. Adotaram uma forma racista (exclusivamente feminina, pois não existe no português a forma "presidento"), quando já dispunham de termo mais neutro e justo. Mas é como dizem: o povo tem o governo que merece. Neste mesmo diapasão, eu, do ofício da linguagem, vejo-me obrigado a admitir: o povo tem a língua que merece.

Wednesday, May 25, 2011

Interpreting between SVO and SOV languages


I don't hear a lot of people talking about this, but there is definitely something to be said about the true wonder that is the ability to translate from SVO (subject-verb-object) into SOV (subject-object-verb) languages, and vice-versa.

Let's start easy and take languages from the same family: English, German, Dutch, Swedish and so on. For the sake of clarity while trying to reach a broader audience, let's pick the most common ones, English and German.

Germanic Languages

It is well known that word order can easily differ between the two of them. Let's take, for example, the following sentence in German:

Kennedy hat einen Apfel gegessen.

This literaly translates as "Kennedy has an Apple eaten" -- which, rendered in proper English, would be "Kennedy has eaten an apple". Notice the change in word order?

Now suppose you're hired to do a simultaneous interpretation from German into English. As your client speaks, your task is to translate orally, at the same time, what's being said (remember I'm talking about simultaneous translation, not consecutive translation). The problem is, if you have only heard the sentence up to the point, say, "Kennedy has an apple" in German (and the whole sentence is "Kennedy has an apple eaten"), how can you switch that to English "Kennedy has eaten [an apple]"? In other words, given that word order is different between these two languages, how can you use a verb that hasn't even been uttered yet? Guesswork?

Another example: one of the recurring elements in the German language is the penchant for placing the negative particle "nicht" precisely at the end of a sentence. Now, imagine you have just interpreted (from German into English) a sentence like "new market demands are to be met the upcoming semester with reasonable expectations by vigor-powered industry tycoons" -- and all of a sudden you find yourself face-to-face with the word "nicht" right at the end of the German sentence. This one word has the power to actually negate everything you just said. How do you fix that, given that English should have placed a negative particle right at the beginning (new market demands are not to be met...)?

Think that's tough? Not quite yet. 

Altaic Languages

Let's up the stakes. Leaving languages of the same family behind, let's get into relatively uncharted territory: Altaic languages. How can one successfully interpret, say, something from Turkish, or Mongolian, into English?

Tim Drayton, a cypriot translator working with Turkish and English, gives us a neat example:

Şirket fabrıkayı kapattı.

This translates as (the company) + (the factory + [glide y] + [accusative ı]) + (close + [third person past tense ] ). I.e.: "the company closed the factory". See below the Turkish word order:

[Şirket] [fabrıkayı] [kapattı].
[The company] [the factory] [closed].

"Here a simultaneous interpreter would have to retain the factory in his/her mind", says Drayton, "and first translate the verb closed before adding the object".

In Turkish the placement of the verb at the end of the sentence is an "iron rule", to use Drayton's own term. And whereas in a sentence this simplistic it would be easy for anyone to retain just one or two words, what happens when the sentence gets bigger? Let's add geçen hafta ("last week") to the sentence:

Şirket geçen hafta fabrikayı kapattı.
(The company closed the factory last week.)

"Now the interpreter has to retain last week the factory", Drayton rightfully points out, "before hearing the main verb and then slightly alter the word order in the predicate to boot."

We can see how this might pose a problem. The larger the sentence, the more the interpreter will have to retain before using verbs. That would be fine otherwise, except verbs are generally the very linchpin of language. So then, for example, if we imagine the gap between subject-object and verb is not "the factory" or even "the factory last week", but instead "...the factory last week following an intensive campaign led by local union officials that involved a sit-down protest in the main square", how can the interpreter -- in fact, anyone -- possibly retain so much before a verb comes along? Especially when SVO languages such as English demand that a verb be used at the beginning, rather than at the end of a sentence? "Even if they do", Drayton says, "surely in a sense what is happening is no longer simultaneous."

Mongolian interpreter Tsogt Gombosuren agrees that working with languages of different word order poses a problem sometimes unsurmountable. "When I am asked by clients to provide simultaneous interpreting service", explains Gombosuren, "I often tell them that there is no such thing as simultaneous interpreting between English and Mongolian, and I can do only consecutive interpreting if they want me to be accurate."

While that would probably be the best, or easiest, choice, we know for a fact that simultaneous interpreting does happen. And the whole point of this article is precisely this: if they are happening, how are they being carried out? What are interpreters doing in order to avoid the immense pitfalls surrounding this line of work?

How are they doing it?

Swiss translator Jonathan Sanders gives us a few insights into the way to solve the problem.

"A key element is anticipating what is going to be said. Not so much making a subject up, but if you hear someone say Jonathan Sanders I..., you assume they are introducing themselves and say I am Jonathan Sanders, for example."

True, but not all sentences are that short or simple. What if you have a really long sentence like the ones I used here?

"When a nicht comes at the end of a [German] sentence that they don't expect, [interpreters can] say something like or rather, it would be if that were true or Or is it? Actually no, or (as somone jokingly said) Like hell it is!"

As we can see, one of the options is to anticipate what the speaker is going to say, promptly correcting your sentence if it turns out you were wrong. However, it's not difficult to see how this might be problematic. What manner of interpreting is this that every sentence needs correction? Even half the number would be a potential invitation to disaster. Guesswork is risky business, and it's very likely you might put yourself in a corner with no way out at some point. As a result, listeners would at least wonder why someone so "unprepared" (for that is what they'd think) had to be employed for the job. "Where did they find this guy?", I can already hear them ask.

A better way to do it is trying to wait as much as possible, so as to stay not only a few words, but a few sentences behind what the speaker is actually saying, a technique called decalage. This can be a very difficult process, seeing as it involves excellent short term memory. But that's not all.

"Of course this is very very difficult if the speaker is talking very slow", says Australian interpreter Roberta Bazzoni. "Some interpreters like to take notes (using consecutive symbols and such) if the sentences are really long and there is no hint of the verb as yet!"

"It can become a nightmare", Roberta explains, "if the speaker puts in a lot of extra information before the verb. If possibile the interpreter will try to break down the different 'blocks of information' and make several shorter sentences: sometimes the result isn't very elegant, but you might not have a choice."

It goes without saying that this is not for the feeble of heart. It demands that one's attention span and skills like short-term memory are top notch and in great shape. Apart from that, where possible, interpreters prefer to avoid simultaneous translation, choosing consecutive instead. When that is not convenient, the only way out, as usual, is for the professional interpreter to make the most he can out of his abilities and employ techniques that have been tested and proved successful in their line of work.

So that's how they're doing it.

Friday, May 20, 2011

Palestra e livro do tradutor Fábio Said

Ontem fui prestigiar o lançamento da segunda edição do livro "Fidus interpres: a prática da tradução profissional", do tradutor Fábio Said. De quebra, saborear um pouco a palestra que aconteria, ministrada pelo próprio autor.

Devido à chuva torrencial que caiu em Salvador, a exemplo do resto da semana, não apareceu muita gente. Mas quem foi teve a oportunidade genial de ganhar o livro em versão PDF completa, gratuitamente. Além disso, Fábio ainda sorteou um exemplar do livro em formato físico para dar a um dos presentes. Quem terminou ganhando foi meu amigo Kary Vernin, que tinha me chamado para comparecer ao evento.

A palestra foi interessante -- basicamente um resumo do livro lançado, com informações voltadas principamente ao tradutor iniciante. Fábio falou da área de atuação do tradutor, a visão da profissão tanto de quem está dentro quanto de quem está de fora (tradutor x intérprete, tradutor x professor, tradutor x gostar de idiomas etc.), o mercado de trabalho, o valor da especialização para o tradutor, valores praticados, como estabelecer preços, concorrência, ferramentas CAT (CAT tools), diferenças entre o tradutor juramentado no Brasil comparado a outros países (como o certified translator dos EUA), e até outros tópicos fora da área estritamente relativa à tradução, como administração e gerenciamento do próprio negócio, marketing, socialização, associações de tradução (ABRATES, SINTRA, ATA etc.), websites relacionados, listas de agências mal-pagadoras e por aí vai.

O livro e a palestra foram, e são, realmente muito interessantes para quem está iniciando nessa área. Para os mais experientes, o conteúdo se encaixaria mais na categoria de consolidação do que já aprendemos (em geral, como sói acontecer, pela mais pura prática). Não cheguei a ler o livro inteiro -- até porque só o recebi hoje -- mas pelas cerca de 80 páginas que pude devorar, é por aí.

Eu e Fábio